13/12/08

Cúpula

Eras de estrelas e alento
Das últimas, primeira
Minguante neblina
de mar descoberto.

Parecias tão perto
Distante
De céu, cortina.
Dás últimas, inteira.

Firmamento.

28/11/08

Dia seguinte

Afinal teria de ficar para amanhã, o encontro tardio que se adivinhava fugaz - necessidade de descanso, cedo regresso a casa, disse. Acatei com a ligeireza de um sorriso, devolvi a promessa adiada de Sim, amanhã, e desliguei. Um pouco de desilusão, claro... mas mesmo nela poderá haver prazer, se pensada da forma certa.

Quando saí, a noite estava fria mas serena, convidando à caminhada - resolvi fazer um desvio, quiçá me surpreendesse com um encontro desejado. Ficava quase em caminho, a rota que provavelmente faria nesse seu regresso cansado a casa, e pus-me a vaguear na contra-mão do seu percurso provável. Voltei, decidi esperar sentado no banco que ponteia a porta da Igreja Calvinista, ao início da sua rua.

Esperaria até às 23:30h - doze minutos, portanto. Neles, fui criando imagens de coincidência ou desencontro, passando em revista as possibilidades do acaso, Tu, por aqui? Sim, estava nas redondezas, ou Sim, apeteceu-me ver se nos cruzávamos - sempre rodeado de uma aura de incerteza e palpitação -, com especial ênfase no aspecto cinematograficamente dramático: a contra-luz, as sombras urbanas, os corpos fechadas na armadura térmica, uma banda-desenhada elegante e moderna, em tons de cinza-preto e cores ténues, um amarelo desvalido a adornar a tristeza da urbe. Talvez me devesse levantar, re-assumir a caminhada em contra-mão e confiar no destino - se, em Inglês, existe Destination e Destiny, para nós, lusos, é tudo o mesmo -, podia sempre camuflar-me no sobretudo monocromático, e já tinham passado dez minutos...

Discreto no meu poiso, sustive a respiração quando passou, às 23:29h, com pontualidade doentia e quase mágica de horário desconhecido, dum limite que era só meu. Fiquei a olhar ao longe o ritual de chegada-preparação-entrada: um carreiro de árvores em oposição ao de casas e eu ao centro, guardião longitudinal das surpresas da fortuna. Hesitei entre dar sinal de vida, atrair ao faro aguçado da curiosidade de um qualquer desafio, simplesmente ir, para depois partir, tardiamente, fugazmente.

Entretanto, era já a rua quase deserta, não fora por mim, árvores e casas. E fiz-me à contra-mão destinada, na promessa sozinha e adiada. Mas sabia bem, aquele frio sabendo a sombra, recusa e dia seguinte...

25/11/08

Nevou

Nevou.
E acorremos ao manto branco
Com a alegria dos petizes.

Nele deixámos as pegadas
Das infinitas conversas
E a saliva das bocas ansiadas.

O vento passava seco,
frio e suave
e embalava-te os cabelos
para então os pousar: - Aí, eu era a ave.

Depois, veio o degelo,
E escorremos lentamente
Por entre as pedras
do leito desaguado.
Diluíram-se os corpos,
os risos e as palavras.

E só as pegadas ficaram.

22/11/08

Um novo Argonauta

Vejo-te madrugar da janela:
És passado enganado,
ilusão.

Lenta, a aurora,
Luz jovem porta fora,
Que o caminho é longo, sinuoso,
E a viagem imensa!

Hoje, à partida da noite
Houve uma mágoa densa
Abraçada num beijo
quente.

O futuro desenganado
Faz-se a direito por linha torta:
É que nunca uma janela se fecha
Que se não abra uma porta.

- E com ela, novo caminho
viagem eterna,
suspensa no espaço...

22/10/08

A tarde

Desce esta tarde tão triste
Luz difusa
o silêncio do vento
enconbrindo a cidade.

Finda, e para sempre se extingue.

Sem risos nem lágrimas,
Apenas a dor que reveste cada folha outonal.

É apenas a tarde, tão triste,
que desce, ou eu,
mais triste,
descendo sobre ela.

06/10/08

É a festa!

(Fotografia de João Leite Gomes - detalhe)

Que haja luz e cor,
Procissão feita de espanto
Romaria de louvor,
Padre-nosso,sesmaria,
Que se grite e cante,
Desrezando o breve terço,
De quinhão guardado!

Que se façam fogos-presos,
Comédia farta,
Banda tocando bem alto,
Tara-ta-tchim, Tum-Tum
Tara-ta-tchim-tchim-tchim
E as musas do petisco,
Atacando de atacado,
O mojo do fervor...

Luz, cor, velas sombrias,
Adoração, venha a alegria!

É a festa, confrades,
É a festa, reprimido!
(Pobreza...)
É a festa das comadres!

É a festa,
Da Senhora da Tristeza,
Pão-vosso arrematado,
Repartido cada dia.


05/10/08

Lentamente

(Fotografia de João Leite Gomes)

Vejo-as partir e chegar
não são marés, nem rios,
nem mágoas.

Menos terra, menos tudo,
a cada dia me despego
a cada noite me desfaço,
apodreço e me despeço.

Vejo-as morrer,
porque nascidas,
serão eternas
jamais.


Todas Outonais,
as folhas afundam-se
sem dias nem tempo
de esperas.

E depois,
secam lentamente
minhas águas...

22/09/08

À espera


Sozinha, envelhece.

Espera que a penumbra se dissipe
Que os raios se façam, ténues
Ansiado promontório.

Do tempo em viagem,
Desconhece sentido.
É apenas água e pão,
gota salina,
estação.

Flutua, leve.

Desespera que a sombra se fique,
Nesse Maio migratório
Cerrado de grão enseada,
Sinuosa, teima - aguada.

A de vinha, desterro,
é apenas ilha.
Solidão.

12/09/08

A-Mestra-dam



Os rios vão correndo
Na terrena cidade subaquática
Ou talvez seja o mar
Que adentra entranhas
Diqueadas pelo tempo.

Se calhar foram os homens...

Talvez descubra nos canais
A torrente certa
De outros dias
E as marés salobras
Diluam escorridas gotas rubras,
Tulipas coloridas,
Opiáceas e legais.

Agora que cheguei,
Só me resta ir pedalando.

Para não me desaguar...

25/05/08

Tardio

Passavas, passavas,
E eu sabia que fugias.
Dizias, dizias,
E eu sabia que cantavas.
E ias, e ias.
E eu sabia que ficavas.

E chamavas,
E eu fingia que ouvia.
E amavas,
E eu achava que sentia.

E paravas, paravas.
E eu sabia que descia.

E então fui.
Mas já cá não estavas.

02/05/08

Credo

Não sei se bem, mas chamam-me Profeta. O que vê, não só as coisas imediatas, as interpreta e transmite, mas as outras, as futuras, as indizíveis. O Profeta, o Conselheiro magistral dos presságios divinos, o vaticinador das bem-aventuranças, eufemizador da doença e da morte, refúgio derradeiro das incertezas e dos medos!

Profeta - professor: não dos que professoram, mas que professam, não dos doutores, mas dos doutos. Que há para ensinar, senão a profissão de si?

Professor - Profeta. Não que vê, mas faz olhar.

Profeta, chamam-me. Um Profissional da Profecia, um aleivoso marginal da confiança alheia - menos difícil que a confiança do próprio -, um visionário camuflado de humilde, o detentor do momento apocalíptico feito credo, feito cruz, profecia-luz, divina.

Pro-fe-ta, Pro-fe-ssor, A-divinare, Divina, que os celestes mais não são que apenas prophéte-izados, Pro-fi-ssionais, caminho único das catorze estações.

Mas não! Não sou pro em nada, nem pheta, nem fessione, não sou fide-digno; antes tépido e pérfido, como quem pro-fe-ssa o que não sente, pro-fe-tiza o que não viu, sem o que de comum há em toda a profissão, profecia, professorado saber.

Agora, sou apenas um comum, paradoxal commune, os que, em conjunto, são alheios ao resto no crédito, na pro-phe-tia.

Agora, sou apenas um disjunto, um homem sem fé.

30/04/08

Aparição

Trazias mãos descalças
E pés porosos, de pele lixiviada
A face, rubra-quente,
Exalando odores puros
De uma manhã fresca de Dezembro.
De voz-cristal,
Os olhos eram água.
E corrias abraçada nas margens
De Oceano-lavado
Nas aragens húmidas
Das noites curtas de Setembro.
O teu cabelo podia ser leito,
O teu amparo, peito .
Mas fugias e chegavas,
E partias,
O querer rareado,
Infinito perfeito, amor primeiro
De quem se não pouco quer
No teu beijo, curto-raro
Lábio-carne enrubescido

De tarde que tarda eterna
Fria
Em Janeiro.

16/04/08

Sortes

Se eu soubesse que o regresso
Era apenas sorte
E os caminhos apenas destino

Se eu tivesse parado
Antes de fazer minha tanta estrada
E de tantas copas sombra clara

Talvez alguém estivesse
Na pedra rasa, no cimo terno da encosta
Com uma flor, ou pétala, ou fonte
Ou apenas, um olhar.

Se eu soubesse que à resposta
Sucumbem desejos,
E que às esperas tardias
Nem sempre se chega,

Talvez rezasse,
Para que o tempo fizesse em mim
A sua casa de pedra, sal, terra e massa
Abrigo recolhido, de horizonte e espaço,
E sorteava no partir,
A minha parte de sorte,
A minha quota-parte, eterna e sincera,
Do regresso da morte.

14/04/08

A não perder...



Aproxima-se o concerto com "20 Canções para Zeca Afonso", no próximo dia 25 de Abril, no Centro Cultural de Belém. Com novos arranjos e mais um ano de amadurecimento e empenho, promete ser uma noite memorável. Mais informações aqui.

25/03/08

O Casamento do Diabo

O Casamento do Diabo
Ópera curta

Música: Rafael Fraga
Libretto: Nuno Júdice

Teatro São Luiz
25 e 26 de Março
21h
Entrada livre

Mais informações aqui.

23/03/08

Novo blog

Gostaria de vos convidar a espreitar o meu novo blog, dedicado aos planos menos poéticos e/ou delirantes da minha existência: música, artigos, novidades; enfim, um blog de carácter mais... mundano, pronto.

Já agora, espreitem também as novidades de 20 Canções para Zeca Afonso, cujo concerto no Centro Cultural de belém é já daqui a um mês (25 de Abril).

Até já!
R.

09/03/08

Casa vazia

Casa vazia, terra quente.
O ar é imenso, abafado, choveu.
O pó já não cai.

Já não sei se noite ou dia.
Se terra ou mar.
Talvez apenas eu.
Talvez apenas ida.
Mas custa a passar, não porque partida.

Apenas ausente.

06/02/08

Fim de tarde 2

Fim de tarde azul, sobre um manto de cidade cinzento Sol espraiado, inquieto, reflectido nas ameias do castelo vizinho...
Ah, pudesse eu sair, e sentir o frio triste
Desta tarde cinzenta, onde, sobre o céu azul
Há uma distância imensa a cair...
Pudesse eu vencer estas paredes, este cimento,
Estes vidros, frios e inquietos como a tarde,
E voar sobre a cidade, levando na boca palavras quentes de fim de Inverno...
Há um céu imenso, um Sol quente, e um castelo mais além,
paredes meias com as águas infinitas por onde, um dia, havemos de partir.

Mas eu quedo-me, e fico apenas a ver, ao longe,a luz quente do fim da tarde a reflectir...