10/09/13

Quando eu voltar


Quando eu voltar
Ponham flores na janela
E encham as ruas de gente
de cravos rubros à lapela
E uma salva-de-almas a dançar

Quando eu chegar
Façam brotar de novas fontes
rios de água em pedra dura
a desvelar nos horizontes
as mãos lavadas da ternura

Se eu não ficar
Culpem o mar que me chama
Que o meu olhar de penitente
Só se aquieta quando ama
o porto-peito já ausente

Se eu não voltar
acendam velas de finado
e digam "morreu afogado
no corpo feito da cidade
onde nasceu a liberdade

onde viveu a liberdade
onde se deu à liberdade".

15/06/13

Das mãos

Todas as mãos
são puras
quando amanhece.

Imutável

O espaço
e aquela sensação
de pergunta por fazer
e reencontro adiado
porque não há
quem por nós diga
palavras que fogem
e nos arrastam.

E nos proteja
desses mistérios
de fadiga
e tentação,
sem cortar amarras
ou outro peito
desse porto hediondo
de rasa mágoa
salvação.

A espera
a distância
o medo
a dor deitada no leito
armas do corpo
néctar divino
tragado em seco,
imutável.
Submissão.




18/03/13

Há afinal caminho

Desespero da fome
crise vendida
fantasma da miséria
pulsar imaginado
de horizonte sombrio.

Mas
um trompete suave,
um traço de Monet
e distante, a ânsia
feita lema
das palavras de Eugénio
ferindo como beijo

"é na alma que a morte faz a casa"

porquê?

Sem corpo,
seio esmaltado
musa que sorri
não passa
de mal que nos consome,
tremida, etérea
- a rima avança.



Da aragem difusa
cena-en-mise fendida
veio recortado
e féria em que se lê:
há afinal caminho.
Poema, desejo.
Esperança.



13/03/13

Quem

Ali jazem
em assomo
os filhos de nossas mães.


Aqui jazem
revéis
as mães de nossos filhos.

Quem nos chorará um dia,
quem?

Rima

Mágoa.
E mesmo já tantas vezes feita
não há rima que supere
o rente crepitar da água.

11/03/13

Matinal

Aqui nascem
em espera
mãos de véspera.

Vespertino

Aqui jazem
em véspera
as mãos que esperam.


10/03/13

No meio-fio do mundo

Dias e dias
de olhos mortos, a cair
no meio-fio do mundo
tão distante
sem milagre
salvação
luz redentora
ou sinal.
No semblante
de postos, uno
a fingir
nem oração
mezinha
mão benzedoura
ou ritual.
Só a espera,
estio
prumo.
E um céu
pejado de estrelas
ardente
nocturno
de cristal.

25/02/13

Limiar da despedida

Palavra contra palavra
Boca contra boca
um afago de luz sorvida
ao despontar do crepúsculo.

Vai-se então a barca da noite,
serena
limiar
despedida.

06/02/13

ao sul o pó

Fecha os braços
não é já tempo
de colher as flores
aceita o embalar
da brisa já fria
e o prenúncio
de outros tempos
do porvir.

Recolhe as mãos
casulo só
de pele e ossos
triste caverna
onde o sol tocou um dia
sem demora.

Olhos baços
um pé de vento
no morrer das dores
afeita o enredar
da camisa sombria
colete-anúncio
de loucos desatentos
por ouvir.

Olhos sãos
ao sul o pó
quem vele os nossos
riste lanterna
onde o fole da poesia
já não mora.





03/02/13

Dos prados, da espera

Os prados
a perder de vista
o orvalho que pende
e a neve falida
uma valsa
no piano,
fá, mi, dó
ar de nostalgia
tecla que prende
sol e só
e a espera
partida
melodia
que se rende.