10/12/11

A contradição

A chuva miúda não desarmava. Havia uma vontade de, juntos, seguir cada um seu caminho. Ficar era mistério. É quando o protesto se veste de silêncio, esgar ou riso, e cresce na sua timidez por desvelar. E o tempo, de convite indeciso e recusa evitada. Na chuva que cessa, apartam-se os rumos. Há o frio e o granizo castiga. A contradição é a mais delicada e subtil sofisticação da beleza.

17/11/11

É isto!

Sigo devagar. Sobre as águas, o espírito da bruma move-se sereno, como imagino terão sido os dias da Criação. A cada passo, a limpo três anos, até mais. Quantos dias haverá em cada? Nem sei. Em todos os momentos, bons e menos bons, aprendi a amar melhor na dádiva de amar. Obrigado. A noite, assustadoramente gélida. É isto, o estar-se estar-se vivo.

20/10/11

Uma linha de horizonte

Sonhei que íamos num barco
convés despido,
mas sem vista de horizonte.
Apenas bruma,
branca de palavras.

Então, apeadeiro breve,
terra firme
- era uma outra ilha,
continente.

À partida da nave, saltei.
Na sua face, que zarpava,
apenas surpresa
- não aceno.

Havia perto um velho
e uma parede negra recoberta de nomes.
- Homens ilustres, disse.

Os meus não estavam lá.
Peguei no giz e escrevi:
F.
Assim, não era apenas eu,
mas todos nós.

Outra nave.
- Destino?
Desconhecido.
Nada a temer,
- entrei.
Outra ilha viria
do cais que ficava.

Ao longe,
uma linha ténue de horizonte,
Era a bruma, tranquila,
vítrea, solene:
- a bruma das palavras
que desarmava.

26/08/11

Caminhos errados

Andamos, que a noite é escura,
encruzilhada atenta.
O pensamento vagueia,
o peito leve ignora.
Dúvida. Instante em que saímos,
para nos vermos mais ao perto.
Vem a aragem serena:
lenta, o dentro é lá fora.
Na folha morta, a Primavera
revolve-se e acena.
Errados os caminhos,
destino certo.

Rocio

O teu riso
é a chuva miúda
das manhãs de Junho,
que desperta no ar
o cheiro a terra fresca,
rocio
e maçãs verdes
acabadas de pousar.

09/05/11

Poesia Helénica

"A minha visão era na cidade a Atena, onde a pedra polida brilhava. Era um dia de Sol manso, e os Poetas rodeavam a mesa, disputando os papiros quebradiços:
- As rotas perdidas do Eterno!, bradava Euclíades;
- Homero, traduzido directamente do Micénico!, dizia Paraménides de Agora

O Areopagita apenas abanava a cabeça. Eu passava distante, abrandava o passo e continuava, de regresso à terra. Agradava-me ver aquele fascínio pelo éter, pela procura das perguntas insondáveis. Mas o sulco, a semente que brota e o fruto que nasce, o cheiro a terra molhada - essa era a minha Poesia."

Αλέξανδρος Στέλλα, "Cadernos"

21/04/11

As sombras

As sombras são como a aragem,
serena, vazia e súbita.
Mas ficam.

17/04/11

Nem o frio lá fora nos aguarda.

Nem o frio lá fora nos aguarda. Mesmo quando um vidro baço reflecte as nossas rugas e nos devolve, verdadeira, uma face cansada que julgamos distorcida. É o cansaço. O cansaço, a vontade vencida, enterrada nas mossas do tempo - quando parece que nem ele mora já por aqui.

Fazemos um traço no ar quente bafejado do reflexo. É real. Decidimos ficar - cá dentro a guarda solidão.