23/12/07

Genealogias singulares

filhos desvalidos
usados, perdidos
nas arcas do pecado,
anjos esventrados
dos édens prometidos,
afundados argonautas
de odisseias sangrentas.

irmãos adoptados,
de pais ausentes,
marionetas opulentas
de desgostos siameses,
aterrados astronautas
em panaceias milagrosas.

órfãos tresmalhados,
o fruto proibido
de "swingers" mercenários,
dançados na berma
de bancos de espera
congelados.

nem da rotina
nem do hábito
nem das penas
nem da obrigação
nem do cómodo silêncio
das des-esperadas noites desinspiradas
de sexta e sábado.

somos, apenas e eternos,
filhos do desejo, do prazer
e do pecado.

03/12/07

O meu amor

O meu amor
Evade-se pelas ruas
E espanta-se quando a chuva fica suspensa.
Grita e chora, atenta da culpa,
E espera-se horas a fio,
sem saber de onde vem.

O meu amor explode em sete bocas,
Escutando as vozes roucas,
Chamando "lerdas" às eternas valquírias
Que o vêm resgatar,
Nos seus cavalos alados,
cegos pelas tranças loiras
que escondem do Sol de Inverno
os seus olhos cansados.

O meu amor, fica agastado a flutuar,
Catando microscópicos crustáceos do seu pelo
quente, enquanto rola, chapindo,
oceanos de esperança que juntam quem se
desencontra.
O meu amor é simples,
força da natureza pura,
e roi aos poucos sementes,
meigas de desejo.

O meu amor é doce, eternamente criança.
O meu amor é uma lontra.

01/12/07

Fim de tarde

Salgávamos os corpos,
diluindo as águas do espanto.

Vinha o frio.

E percebíamos que as nossas horas,
nuas, eram já tardias.

Depois, o sonho,
encoberto no manto deserto da espera.

No ar, apenas um murmúrio,
a paz cansada a fazer-se ouvir.

E ficávamos, abraçados, à escuta
de ver o fim da tarde imensa a cair.