28/07/05

Por entre ilhéus...


(Vista Sul da minha casa na Ilha do Faial: após o sismo de 1998, a reconstrução da igreja da freguesia avança, embora muitas famílias durmam ainda em pré-fabricados... ao fundo, a Ilha do Pico, majestosa.)

A ilha vai-se espraiando sobre as águas, já menos coberta da nébula preguiçosa dos últimos dias. Por cá, o tempo passa devagar, embora às vezes pareça que nos foge por entre os dedos.

Cada vez mais, creio que nas ilhas se aguarda, lento, o começo dos dias...

13/07/05

"Eu sou o van Basten!"


Nos meus oito ou nove anos, tinha como ídolo Marco van Basten, esse saudoso ponta-de-lança Holandês, que marcava pontapés de bicicleta com a elegância de uma bailarina em pontas, e tinha um estiloso corte de cabelo, que lhe dava um ar saudável e moderno.
Este ilustre personagem, de que certamente toda a geração “Heidi” e “Vicky” se lembra, jogava na chamada “Laranja Mecânica”, nome de código da selecção holandesa de futebol, que nos tempos áureos de Johann Cruyff tinha encantado os adeptos de todo o mundo, voltando à ribalta pelas mãos (pés?) de uma nova geração de jogadores (aqui, eu ia escrever uma nova geração de artistas, mas soou-me a comentário do Gabriel Alves…).
Ora, nos míticos encontros que fazíamos na praceta-de-trás (a nossa era a da frente, vá-se lá saber porquê; há algo de hierárquico nisto..?), esse delicioso enclave de prédios onde a malta se juntava todos os dias a partir das quatro da tarde, eu apressava-me a assegurar a representação omnipresente do referido artilheiro, com um sonoro “eu sou o van Basten!”.
Felizmente, além da paradoxalmente saudável designação ecológico-industrial, a “Laranja Mecânica” ofertava-nos a possibilidade de encarnar outros nomes igualmente ilustres e famosos, desde Ruud Gullit e Frank Rijkaard, até ao Ronald Koeman (agora bem nosso conhecido por outras razões), e de forma rápida e sem grandes quezílias, todos ficávamos imbuídos de um inspirado e aguçado instinto futebolístico, talvez pouco talentoso mas infinitamente nosso e perene.
A (para nós empiricamente sabida) enorme distância entre Portugal e Holanda, e entre Portugal e Itália (residência do renascido AC Milan salvo da falência por um senhor porventura conhecido, um tal de Berlusconi), onde alinhava parte destes craques na sua versão clubística, era o mote para a consolidação da fantasia, apenas apaziguada por copos de água gelada gentilmente cedidos pelo “Restaurante Rio Bravo”, nosso vizinho…
Estas tardes vividas entre Amsterdão e Milão, repletas de geniais trocas de bola sob a égide destes invocados companheiros de ascendência flamenga, são algo de muito especial, porque repletas de uma vivência infantil urbana mas não desumanizante, como creio que hoje, cada vez mais, grassa por aí.
E como prata da casa não faz milagres, e porque nem o Figo nem o Cristiano Ronaldo têm um corte de cabelo à altura, embora continuem a tentar, e não podendo dizer energicamente “eu sou o van Basten!”, nem tampouco “sou o Gullit”, ou o “Rijkaard”, sempre gostaria de saber que ídolos seriam invocados pela malta na praceta-de-trás, se fosse hoje uma das solarengas tardes em que, a partir das quatro horas, o estádio se enchia e a “Laranja Mecânica” maravilhava a plateia, no nosso futebol de sonho…

08/07/05

O absurdo congestionamento dos sentidos

Silêncios. Fechar os olhos e calar. Sentir à nossa volta a ausência, dar espaço ao aparecimento dos receios.
Música, ruídos, atenções dispersas. Uma imagem, um esboço de história, fragmentos revisitados.
Vamos fazendo das vivências um esquema interior, temendo os desígnios da solidão, os encantamentos da partida, o adiar de um confronto.
Precisamos de manter os sentidos mergulhados na imensidão das sugestões, nas fronteiras do racional, num “feed-back” estridente de factos e de pessoas, que nos aparta da profundidade dos conceitos.

A pouco e pouco, vamos temendo o confronto connosco, esquecendo que a nossa descoberta será sempre silenciosa, sorrateira e dolorosa. Mas infinitamente bela.