24/01/14

Quem entendesse na língua das aves

Choraste no meu ombro
como uma criança nua.
Era o amor, dizias.
Um amor a partir,
ou já ido.
De ti, sabias agora pouco;
e do amor, nada sabias.
Da janela via-se a tarde,
a rua cinzenta e mansa
e a tua voz imensa, soluçada.
Dei-te o meu ombro
como dá a praia colo
onde a onda se parta
areia vítrea,
onde a raiva se escorre
fundida, sangrada.
Ah, quem entendesse
na língua das aves
palavras verdes
esperança
e estendesse o desamor
à desolação da temperança:
o beijo é um sopro
se o lábio se aparta.


21/01/14

Prece a Morfeu

Assim como veio,
foi-se Morfeu.
E com ele,
o branco halo que embalava
o meu corpo já livre,
em ascensão.

Foi-se afugentado
a ruídos de cidade,
murmúrio das gentes e
gritos capitais;
noutros sonhos
há o rente crepitar da mágoa
e um rio sereno
de tentação.

E agora, Morfeu?
Quem me salva das palavras
que ferem tanto
e do ranger destas mãos
de ébano tibiado
cheias de ausência?

Volta, volta!
Lança-me o teu manto,
Morfeu,
negro como aquele olhar
de colo deserto,
sombrio como a frágua.
Morto o corpo
deitado, preso de mente,
deixado hoje, só.
Amanhã, teu.