27/05/09

Chuvas de Maio

Chuvas pesadas de Maio
nem fico nem saio
nem remo nem me afundo.
Abrigo as palavras em gula seca
e dissolvo na boca
a vontade de aliviar o mundo.

21/05/09

Vulto na janela

Sei que espreitas pelo vidro triste
e lhe encostas o ouvido
auscultando a minha voz.

Sei dos teus caminhos desviados
a passar o meu,
das sombras nubladas
em cuidados que te amparam,
da procura fugidia
de me fazer um pouco teu.

Pensava que eram tuas
as mãos que me trariam rosas frescas
a cada manhã pura,
cavando a dedos de ternura
os sulcos dos amores passados.

Mas espreitas esguia pela triste vidraça,
e quando abro a porta
só o horizonte me sussurra
- o tempo de escutar também passa...

16/05/09

Périplo

Cá vamos, andando, andando
E as coisas vão correndo:
Quando os sítios mudam de lugar
Vemos que saímos tarde.

Cá vamos, amando, amando
E as coisas vão morrendo:
Quando as pessoas mudam de lugar
Sabemos que chegámos tarde.

Então, percebendo, percebendo
Os tempos mudam de lugar,
E as coisas, danando, danando.

Esquecemos que ficámos tarde...

10/05/09

Cruzada

Cruzo as ruas da cidade,
o chão rápido a meus pés.
No ar, vacila ainda o teu perfume de abismo,
e não é pouca a vontade de cair.
Os recantos e esquinas,
caminhadas de memórias por cumprir,
beijo de aragem - ternura
e um silêncio que entristece.

Cruzo as ruas da cidade
- ou são elas que me cruzam.
Quando chego, encontro apenas a noite:
quem me procura, passeia e adormece.

05/05/09

Auto-retrato

Havia um momento onde eu caía nos teus ombros e rolava.
A pele era tempo e eu nascia desse instante.

O toque era espaço nos momentos onde outro, igual, me abraçava.
Eu morria : colírio mitigado, quando existo, não vejo.

Nem boca nem lábios - bocado,
Nem olhos nem lágrimas - molhado,
Sequer ouvido ou escuta.

Apenas efémero - eterno
Apenas beijo.