28/11/08

Dia seguinte

Afinal teria de ficar para amanhã, o encontro tardio que se adivinhava fugaz - necessidade de descanso, cedo regresso a casa, disse. Acatei com a ligeireza de um sorriso, devolvi a promessa adiada de Sim, amanhã, e desliguei. Um pouco de desilusão, claro... mas mesmo nela poderá haver prazer, se pensada da forma certa.

Quando saí, a noite estava fria mas serena, convidando à caminhada - resolvi fazer um desvio, quiçá me surpreendesse com um encontro desejado. Ficava quase em caminho, a rota que provavelmente faria nesse seu regresso cansado a casa, e pus-me a vaguear na contra-mão do seu percurso provável. Voltei, decidi esperar sentado no banco que ponteia a porta da Igreja Calvinista, ao início da sua rua.

Esperaria até às 23:30h - doze minutos, portanto. Neles, fui criando imagens de coincidência ou desencontro, passando em revista as possibilidades do acaso, Tu, por aqui? Sim, estava nas redondezas, ou Sim, apeteceu-me ver se nos cruzávamos - sempre rodeado de uma aura de incerteza e palpitação -, com especial ênfase no aspecto cinematograficamente dramático: a contra-luz, as sombras urbanas, os corpos fechadas na armadura térmica, uma banda-desenhada elegante e moderna, em tons de cinza-preto e cores ténues, um amarelo desvalido a adornar a tristeza da urbe. Talvez me devesse levantar, re-assumir a caminhada em contra-mão e confiar no destino - se, em Inglês, existe Destination e Destiny, para nós, lusos, é tudo o mesmo -, podia sempre camuflar-me no sobretudo monocromático, e já tinham passado dez minutos...

Discreto no meu poiso, sustive a respiração quando passou, às 23:29h, com pontualidade doentia e quase mágica de horário desconhecido, dum limite que era só meu. Fiquei a olhar ao longe o ritual de chegada-preparação-entrada: um carreiro de árvores em oposição ao de casas e eu ao centro, guardião longitudinal das surpresas da fortuna. Hesitei entre dar sinal de vida, atrair ao faro aguçado da curiosidade de um qualquer desafio, simplesmente ir, para depois partir, tardiamente, fugazmente.

Entretanto, era já a rua quase deserta, não fora por mim, árvores e casas. E fiz-me à contra-mão destinada, na promessa sozinha e adiada. Mas sabia bem, aquele frio sabendo a sombra, recusa e dia seguinte...

25/11/08

Nevou

Nevou.
E acorremos ao manto branco
Com a alegria dos petizes.

Nele deixámos as pegadas
Das infinitas conversas
E a saliva das bocas ansiadas.

O vento passava seco,
frio e suave
e embalava-te os cabelos
para então os pousar: - Aí, eu era a ave.

Depois, veio o degelo,
E escorremos lentamente
Por entre as pedras
do leito desaguado.
Diluíram-se os corpos,
os risos e as palavras.

E só as pegadas ficaram.

22/11/08

Um novo Argonauta

Vejo-te madrugar da janela:
És passado enganado,
ilusão.

Lenta, a aurora,
Luz jovem porta fora,
Que o caminho é longo, sinuoso,
E a viagem imensa!

Hoje, à partida da noite
Houve uma mágoa densa
Abraçada num beijo
quente.

O futuro desenganado
Faz-se a direito por linha torta:
É que nunca uma janela se fecha
Que se não abra uma porta.

- E com ela, novo caminho
viagem eterna,
suspensa no espaço...