30/11/12

Elegia a uma árvore distante

Parece pequena,
a árvore distante.
Dispara aves negras
como o ferro ardente
que explode na frieza do gelo.
Nunca poderá ser floresta.
Se voasse,
podia ser bando.
Sem asas, ser  árvore
é por vezes o que nos resta.

12/11/12

Sesta

Frescura da sombra
húmido cavernoso
copa imensa de árvore
onde o orvalho adormece
brisa suave
folhagem densa
palavra de paz
leito poroso
que repousa
ternura de manhã
quando se esquece.

03/11/12

Sombra de ubiquidade

Cinzentos os dias,
mesmo que lá fora
brilhe um sol
azul de inverno
e as janelas se aqueçam
em raios de luz desaguada
no negro da pupila.
Cá dentro, mistério desolado
de sombras e mãos quebradas
palavras ternas derrubadas
ao ritmo infernal
da máquina dos dias.
O hálito da morte
exala perfumes derradeiros
em carcaças já vazias
da boreal aurora.
Cá dentro, lá fora.
Lágrima branda
cheia de lume cintila
matéria, rumor e eco
emerso sussurro, gume
cinzelado no deslumbre
de cidade que destila.

25/10/12

Oxímoro

Quando a um canto da sala
estiverem tuas mãos, perdidas
e pedaços de outros
também lá esquecidos,
e os tapetes forem cerdas
de cabelos, de unhas sangradas
e em nada mais
nos cheguem os muros,
as janelas, as folhas,
das árvores caídas,
e a luz de tecto pendente
uma vela que pinga
sangue, lágrimas e vinho
escorrendo pela pernas,
como a rosa ocre
cortada
à força de espinhos,
a fechadura exígua
sem chave trancada
canal único
por se onde possa respirar,
que impede as bocas
as línguas e o marfim
que dilacera e tritura,
e solta esse abismo
medonho
de penúria,
ossos cruzados.
E silêncio.








14/09/12

No vislumbre de nuvens quadradas

Não sei se a cidade fica mais pequena porque dos meus olhos se vê menos horizonte, ou maior, porque me penso mais pequeno a cada hora.
O ar, rarefeito na sua mescla de bruma e pó, ou em asfixiante demasia: uno, indiviso, todo meu.
De ti, só a memória dessa presença-sombra imensa, éter ausente, e um raio que luz que perpassa -  ah, e como são belas, afinal, as nuvens quadradas!
Sem outros dedos, pendem-me as mãos ao abandono. Mas não as choro: pedem-me para voar...

28/08/12

Corpos da terra

Penso na pele
e no estrondo
do rir  de coutadas
perdidas no todo.

Penso nos ossos
cremando por dentro
as cinzas deitadas
nas margens
dos rios do lodo.

Penso nas veias
sereias de chão
chamando as linhas
serenas
das palmas da mão.

Penso nas fibras
em frentes de guerra
saliva dos dias
mascadas no fundo.

Espectros rotundos,
de caras vazias:
- são os corpos da terra
ausentes do mundo.



20/08/12

Por ti

Firmamento
terra crua e pés,
dançantes amantes
do pó.

ela, rodava nua.
mão segura ternura
receosa em partir.

despedida despida
de beijos
quem te chamou
rejeição mel da fantasia.

firmamento
e lábios.

Por ti, eu ia.

08/06/12

Poeta equilibrista

Olha
Sou poeta equilibrista
E o meu livro é esta pista
De trapézio e parede

Olha
Sou asceta saltimbanco
Um pobre trapezista
Voo céu na minha rede

Sou especial
Sem superfície nem fundo
Só profundidade

Sou irreal
Eu não sou deste mundo
Já velho a ter idade

Olha
Nem palhaço nem artista
Sou poeta pugilista
Por teus punhos derrotado

Escuta
Eu não falo, linguarejo
Que as palavras são um beijo
Pirueta do meu fado

Sou espacial
Sem superfície nem fundo
Sopro, fuso, tempo

Sou sideral
Sou o éter deste mundo
Trapezando pelo vento:

Não há (em mim) tempo
A perder tempo