12/09/06

Pequena história de um amor grande

Vimo-nos um ao outro, como duas árvores que crescem à espera do toque dos seus ramos, e conhecemo-nos sob a luz da noite, passeando nas encostas mornas de um vulcão parado, e tirámo-nos um ao outro, depois das últimas palavras serem sempre cruas, e os sons despidos nos encantarem os sentidos.

Entornámos os nossos corpos. Fizemos todos os planos e cruzámos todas as ruas, para apenas ficarmos mais um pouco. Fizemo-nos um ao outro, à espera de uma ilha mais próxima, de um dia mais curto, de uma madrugada desperta, e os últimos beijos nunca acabaram.

Morremos mais mortos que amados, e ao passar da hora nunca acordámos, porque as nossas bocas só se abriram porque se derramaram, e fomos ficando para sempre um no outro, enquanto as aragens de Outono chegavam, jorrando as fontes já sem água da terra aberta, ferida, queimada.

Depois, os dias ficaram mais curtos, deitámos nas margens molhadas todos os enganos, e as últimas tardes esqueceram-se de tudo.

Mas desta vez, o último silêncio foi meu.

10 comentários:

Anónimo disse...

Nestas pequenas histórias de grandes amores, o último silêncio não é o pior. O pior é aquele que transforma os supostos dias curtos em dias intermináveis. Esses ferem!Sentimo-nos esquecidos e fingimos ter esquecido. Fingimos... Até que esquecemos, se não for quebrado o silêncio!
Beijo

Anónimo disse...

O silencio de quem parte opõem-se a qualquer outro som ou pensamento. Opõem-se e opõem-se sem fim até esquecer-mos.

Beijinho

Rafael Fraga disse...

O silêncio deixa-nos sempre mais pobres, mais sós, e consegue até tirar o sentido às coisas. Mas a sua quebra só existe se recíproca.

Fingir é sempre uma cobardia. Porque há coisas que nunca se esquecem, e partir não é deixar.

R.

Anónimo disse...

"Passam pessoas, mas nunca ficam por muito tempo. A partir de certa altura intrometem-se tédios por entre as frases e não sabemos continuar. Não insisto. Há muitas pessoas. Não vale ter medo. Há muito que o amor mostrou ser um fracasso."

Rafael Fraga disse...

Não creio que o amor seja um fracasso. Se calhar, o fracasso é exigirmos a sua perenidade, a sua resistência a todas as circunstâncias.

Penso que basta um dia, um gesto, uma palavra. Não temos de saber continuar, porque se assim fosse, nunca descobríamos nada de novo.

Temos de procurar o desconhecido, e não o que desejamos conhecer...

R.

Anónimo disse...

Talvez devesse ter escrito "há muito que a ilusão da paixão eterna mostrou ser um fracasso", mas não quis adulterar palavras de alguém que as usa melhor do que eu. Talvez o amor não seja um fracasso e permaneça ainda que não concretizado, como um sentimento incondicional, mas a paixão tem um prazo de validade... surge demasiado poderosa e empolgante e ao transformar-se num amor sereno é injustiçada pelo tempo. Quer-se de novo o arrebatamento e voltamos a "procurar no desconhecido para descobrir algo de novo". Não temos de continuar, mas podemos cair na tentação de não saber parar. Mas isto não tem de ser negativo se existir a capacidade de fazer cada momento valer por si (o dia, a palavra ou o gesto de que falas) para que todos tenham nos nossos corações um significado grandioso... Foi nesse sentido que interpretei o autor ao lê-lo.

Obrigado por fazeres as minhas palavras valerem pelo momento. De outra forma, se não comentasses, seriam um fracasso ;)
Um beijinho.

Rafael Fraga disse...

Não sei se temos de parar, sobretudo coisas que têm vida própria. Corremos talvez o risco de as perder.

Igualmente, tenho dúvidas se é o início das paixões que é demasiado empolgante, ou a vivência dos amores demasiado serena... não se arranjará por aí, algures, um meio termo? Gostaria de acreditar que sim!

R.


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Não tenho tido por hábito comentar os comentários. Mas se, por um lado, um dos objectivos do blog é expôr o que escrevo, por outro é também perceber até que ponto a intenção das palavras é cumprida. Nessa medida, creio que vou levar mais em atenção alguns (eventuais) comentários.

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Anónimo disse...

Será que o amor realmente existe, como os grandes poetas pregavam? Acho que não, hoje existe somente uma troca de interesses, que quando terminados as vidas unidas se deslaçam e cada uma parte para busca de novos interesses particulares... ou até mesmo em busca de um outro par...
Enfim, o amor não existe mais, se é que um dia existiu...

Rafael Fraga disse...

Olá Ana, desculpa a demora em "responder".

Não sei se o amor existe. Acho que, cruamente, é apenas uma designação para um gostar muito especial e profundo. Nele, haverá necessariamente interesse, um lado concreto de cumprimento de objectivos íntimos, cuja realização depende de outra(s) pessoa(s). A eventual falta de Amor da actualidade é apenas uma confusão generalizada sobre o que é realmente importante nesta vida, e reflecte-se um pouco nas relações banais e superficiais que por aí vão abundando.

Neste blog, se reparares, tento usar pouco a palavra "amor", parece-me mais adequado escrever sobre as coisas concretas onde ele pode existir - no fundo, são apenas sugestões.

Penso que devíamos pensar menos no amor e amar mais, mesmo que ele não exista...

Anónimo disse...

Acredito no amor como manifestação e não tanto como conceito.

O que são palavras? Que me interessa que me digam que me amam se não me SINTO amada?

Um gesto, um olhar, uma carícia, um toque subtil, um elogio, coisas simples mas postas em segundo plano porque é muito mais fácil dizê-LO e pronto!

Amo-te. Não custa nada. Não dói e dá a sensação de dever cumprido...

Acredito que todos os dias, todas as vitórias e fracassos existem para ser partilhados com alguém especial de quem se goste muito especialmente (concordo com esta tua "definição"). É nesta realidade que para mim reside a felicidade e se para isso é preciso procurar no desconhecido e sair do casulo da comodidade do conhecido e da rotina estou disposta a isso.

E o que é isso face a uma tão grande recompensa? NADA!!!! Afinal, estamos a falar da melhor coisa do mundo!

Não serei eu a única a pensar assim espero...