14/07/06

Noite de Verão

Tinham conversas infinitas, defronte dos ecrãs suspensos que lhes amparavam as noites. Começaram a trocar momentos, e partilhar um pouco do que de único fazia parte das suas vidas.

Ela, sentada numa cadeira tosca, persiana entreaberta, aguardando a lufada de ar fresco que a ventoínha fazia correr serena, ia carregando nas teclas e no rato, dispondo notas soltas pela noite de Verão. Em cima da mesinha de cabeceira, um candeeiro brilhante alegrava o quarto.
Decidiu enviar-lhe uma gravação sua, a tocar e a cantar.

A noite dele tinha passado demasiado quente. Pela janela do quarto, totalmente escuro, entrava uma réstia da luz do candeeiro da via pública, uma luz amarelecida e triste, que iluminava a noite, sempre deserta.

O rectângulo - ecrã brilhava, solitário, e a noite ia correndo lenta. Só se ouvia um piano, velho e desafinado, e a voz dela, inocente e segura, a resistir heroicamente ao Mi bemol por vezes difícil de discernir, gravada num fim de tarde optimista de Outono.

Nesse momento, a canção ia correndo, e o tempo definitivamente parado. Defronte do ecrã, a luz amarelecida vacilou, a conversa fazia-se sem palavras.

E o quarto escuro tornou-se uma imensa caixa de música.

3 comentários:

Anónimo disse...

Estava navegando e encontrei seu blog no acaso, e encantei com os poemas e em especial com este, há uma sensibilidade na descrição deste poema, é de autoria sua? Parabéns, fico feliz por saber que em meio a tanto capitalismo e estetização da massa, ainda exita pessoas como você, com sensibilidade na alma. Parabéns!
O curioso é que sou brasileira e moro no Brasil, estava procurando um poema para mandar para uma amiga, e achei justo um de um português, com sua licença, vou mandar este poema a uma amiga.

Rafael Fraga disse...

Olá Ana,

Obrigado pelas palavras amigas. A licença está dada.

R.

Anónimo disse...

"A felicidade é composta de fracções diminutas - de pequenas dádivas, logo esquecidas;
De um breve encontro, de um beijo ou de um sorriso,
De um olhar bondoso ou de um elogio sincero...
Pequenas, mas inúmeras partículas de prazer e alegria."


Esta é a minha humilde retribuição pelas tuas pequenas mas tão grandes dádivas que tanto prazer me deram. A minha fracção diminuta que espero não ser logo esquecida...