25/10/06

Trova vaga

Vagueio sem destino _ teus sete mares de menino, onda curva de um só porto, amarra inteira que ama errada os navios do seu corpo.

Ponteio de mansinho _ areia quente _ventureira, onda turva de rocio, espuma seira onde cabem os abismos, espraiando _ grãos _ praia terreira, descaminho.

Alheio _ ensejo cimo de entrares _ rompante cru em minhas rotas, transporto desfraldado _ barco nu de velas mortas, a ponte ando esteira vacilante, capitão-fantasma, tino avante.

Passeio de ilhas nadas _ lume brando de sereias, serenas vozes serenadas em canto verso _ deslumbrado, rima cruzada _ cavaleiras-monge _ hedionda cavalgada.

Fim dos cabos, predestino _ vaga onda recorrente, quebrantada _ mar que passa, vagueando destinada a requebra-se mansa: água errante, serei apenas, para sempre, uma vaga desaguada nas tuas ondas de menino.

23/10/06

Vão de escada com vista sobre a cidade

Todos os dias, espero por ti naquele vão de escada onde, parados, olhávamos as luzes da cidade nocturna. Nesse pedaço de degrau, aguardo calado os teus passos, enquanto a tarde vai caindo tardada, e se acompanha dos primeiros pingos das chuvas de Outono.
Fico suspenso no corrimão durante conversas a fio, porque ris e brincas, porque vês em cada luz longínqua um destino de história, porque os sons da cidade são uma banda sonora perfeita, e porque todas as palavras te fazem sentido: adoro quando te debruças sobre o parapeito da clarabóia, e em pontas-de-pés a blusa curta te desnuda a base das costas, mostrando a cintura ossuda de sempre-criança, penugem loira das carícias dos meus sonhos, que te cobrem de beijos a cada fôlego de aragem.
Depois, sento-me no pedaço descuidado de soalho gasto que me calha, essa madeira pisada onde nos tivemos inteiros noites inteiras sem darmos conta de que a chuva caía lá fora, e bebíamos num trago sôfrego todas as águas.
Mas numa manhã húmida e fresca desceste sem regresso a escadaria até à rua, e perdeste-me de ti. Então, descobri que os teus passos foram de passagem, que cá dentro apenas resto eu, todas as tábuas ficaram rasas.

Agora, subo sempre os mesmos degraus até ao vão de escada onde encontro a nossa cidade. Sento-me, e no nosso bocado de madeira carcomida espero todos os dias, tranquilamente, o fim de cada tarde.

05/10/06

Desejo capital

Gostava de ter um prostíbulo, ser patrão, dono e senhor das carnes, actrizes meigas do pecado.
Do chão nasceriam rosas, de cujas pétalas as minhas meretrizes fariam os mais doces perfumes, néctares divinos, banhando as suas formas dolicocéfalas.
Comerciante, banqueiro, produto final e gestor, gostava de ter, inteiro, um prostíbulo rentável, legal, onde as prosas, maleitas, queixumes, seriam rendas mimosas e camas desfeitas, almofadas, penas mergulhadas, lençol ou cobertor.
No meu prostíbulo, o prazer seria capital.

Mas só se venderia o amor.